sábado, 7 de setembro de 2019

domingo, 3 de setembro de 2017

domingo, 27 de agosto de 2017

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

rastros

você deixa rastros por onde passa.
depois que você toma banho, eu consigo sentir o cheiro forte do seu desodorante ou perfume que você usa, mesmo antes de dormir...
sinto quando você passa pela sala tirando meus remédios de cima da mesa e quando abro a cozinha e vejo que colocou tudo aberto dentro da geladeira...
sinto quando vejo seus calçados misturados com os meus, chamando a atenção quando você não está, saudosos como eu...
as suas roupas pela casa espalham o seu cheiro, como se você ainda estivesse aqui, mas você não está...
a sua foto no móvel da sala me faz rir sem me dar conta...
quando sento no nosso sofá parece grande até demais quando não divido com você...
e mais do que tudo sinto seus rastros na ausência no seu lado da cama. seu cheiro já está tão enraizado no travesseiro que não passa nem quando troco de fronha.
sua presença já está tão enraizada na casa que você está aqui mesmo quando não está.
e se você está aqui mesmo quando não está... não é melhor ficar de vez?

sábado, 26 de março de 2016

Querer alguém que me queira o suficiente para estar comigo está parecendo mesmo ser pedir demais...

terça-feira, 15 de março de 2016

tudo parece tão irreal que às vezes tenho vontade de me beliscar para tentar acreditar.
o coração bate azul, a cabeça pensa vermelho e os sonhos nunca foram melhores do que esta realidade.
contam-se os dias daqui para frente, tentando descobrir como que a vida muda em tão poucos momentos.

sexta-feira, 4 de março de 2016

até hoje eu sinto como se fosse um pesadelo. como se o frio cortante não tivesse existido naquele dia. como se a neve nunca tivesse caído e o avião partido. parece que a qualquer momento eu vou acordar e me dar conta que nada passava de um sonho de mal gosto... daqueles tipos de ir dormir sem prece depois de ter assistido uma série de violência.
Todo ano novo eu passo em prece.
Numa prece com alma de música: viver, bailarina...
Todo ano novo eu passo com mímica, com gente que eu amo acoma de tudo.
Esse ano novo eu não passei com nada disso.
Passei com fogos numa terra mundana, com pessoas que eu mal conhecia e que falavam uma língua que eu nao gosto.
Eu odeio 2016.

domingo, 5 de julho de 2015

Subtrair

O que ela mais desgostava na matemática é o fato dos números serem infinitos. Ela contava e contava e eles nunca acabavam. Algum dia, em algum momento que ela não se lembra qual, ouviu que 24000 pessoas morrem de fome por dia, 8736000 por ano, 1000 pessoas por hora, a cada minuto que passava aproximadamente 16 pessoas morriam. A cada minuto ela somava, 16... 32... 48 pessoas que morreram de fome. E como os números eram infinitos, não importa quanto tempo passasse os números sempre iriam aumentar. Não chegaria o momento em que as pessoas parassem de morrer por falta de número para contar. Sempre havia o próximo número e sempre havia a próxima morte.
Ela passou a ficar obcecada, contava em todas os lugares. Aqui enquanto assisto aula 1500 pessoas já morreram. Enquanto eu faço almoço 544 pessoas já morreram. Enquanto eu trabalho 8000 pessoas morrem de fome. Enquanto eu durmo 7500 pessoas morrem de fome. Na minha semana 168000 morrem de fome.
Então começou a somar o número, a cada minuto aumenta-se 16. Em um mês ela já tinha somado 74432...74448...
Ela não conseguia mais trabalhar direito porque só somava sem parar... Se não fazia a cada minuto, fazia a cada hora. Quando chegava ao fim de cada dia, era difícil de dormir porque as imagens das pessoas morrendo e os números aumentando não a deixavam repousar. Como eu posso dormir enquanto pessoas morrem de fome?
Um dia esse número ficou tão insuportavelmente grande que ela não conseguiu mais viver. Não conseguiu mais deixar que essas pessoas morressem e então ela simplesmente largou tudo: o emprego, a casa e o número enorme que não pararia de crescer.
Ela largou tudo e foi às ruas, foi à vida e então ela descobriu que poderia tirar pessoas da fome. Foi andando e alimentando quem precisava, da forma que dava. Alimentava aquelas pessoas que não tinham nem como se levantar para encontrar comida de tanta fome. Ia aonde a fome lhe chamava e então começou a contar ao inverso. Hoje eu salvei 34 pessoas da fome. Agora já salvei 329 pessoas da fome. E cada vez o número aumentava e aumentava também o seu sorriso e a sua felicidade. Voltou a dormir em paz, pensando que assim que acordasse salvaria mais vidas da fome. Voltou a trabalhar, mas apenas para alimentar quem precisava. Isso virou seu trabalho, virou sua vida.

O que ela mais gostava na matemática é o fato dos números serem infinitos. Não importa quantas pessoas ela alimentasse, sempre haveria um numero após o outro e uma pessoa atrás da outra e ela não precisaria nunca parar de contar as vidas que salvava da fome.

terça-feira, 5 de maio de 2015

there are people in my life

houve um tempo, há muito tempo mesmo, que eu tive um avô escritor.
houve um tempo, há muito tempo, que eu tive uma avó maravilhosa.
houve um tempo, há algum tempo, que eu tive o melhor pai que se pode ter.
houve um tempo, há pouco tempo, que eu tive a cachorrinha mais carinhosa que se pode ter.

há um tempo que eu tenho muita saudade.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

talvez possa lembrar, talvez possa esquecer

demência, seja ela qual for, é um tipo de doença muito dolorida, porque a gente não perde a pessoa doente no dia que ela morre. a gente começa a perder a pessoa desde que a doença começa e vai levando a pessoa embora pouco a pouco. a cada dia que passa dói porque ela é um pouco menos do que no dia anterior. perdemos um pouco a cada dia, a cada semana, a cada ano. a dor se estende, é vivida quase que como em parcelas, mas a cada dia é uma dor grande porque perder um pouco da pessoa é como perder tudo e viver isso todo dia é como a pessoa morrer todo dia. mas o que mais dói mesmo é que a doença vai contagiando também a sua mente. e todas aquelas lembranças de quem a pessoa realmente é (sem doença) vão ficando fraquinhas para dar espaço a quem aquela pessoa está (doente). e aí vem o medo de olhar muito, ficar muito perto, para as memórias boas não serem contaminadas. só que é inevitável. a doença cresce nela e em você. e então chega o dia em que na pessoa só resta doença e até aquilo que só resta, você perde também. é a última perda. e você acha que essa perda vai ser mais fácil, afinal, você já perdeu tanto, por tanto tempo, todos os dias, semanas e anos. você já perdeu tanto que a perda final não deve ser tão ruim. mas é. ela dói bastante também como se você perdesse tudo de novo. mas aí você entende que diferente das outras vezes que você perdia partes de uma pessoa saudável, dessa vez tudo que se foi, o que restava, era apenas a doença. e a doença se vai, não apenas da pessoa que você ama, mas ela se vai de você também. porque se antes suas lembranças estavam dominadas pela doença, quando ela se vai, as lembranças que voltam a ter força são as de quem a pessoa realmente é. e aí você entende tudo! eu não enterrei a maria rosa hoje. eu enterrei a doença. eu não perdi a maria rosa ontem. eu perdi a doença. a doença faz parte da cura e a maria rosa agora se curou. a maria rosa não morreu, a doença que morreu. a maria rosa viveu de novo em mim, nas lembranças das músicas que cantava, poesias que recitava, amor que distribuia de todas as formas. e não só em mim, a maria rosa agora, e só agora, vive de verdade.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Microconto: Vida após vida

Acidente grave. Nenhum sobrevivente. Quando se deu conta que morrera, percebeu que vivia.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Microconto: Intimidade

Então ela disse:
- "Ela"não! Meu nome é Joana.
É apenas um microconto, não temos caracteres suficientes para intimidade.

Microconto: Mãe e Filha

Ela surpreendeu a filha com outra mulher. O choque foi grande e decidiu que estava na hora de terem uma conversa séria.
- Filha, eu sou gay.

Microconto: Encontro

Uma delas carregava um sorriso vestida de azul. A outra óculos escuros e um livro. Se sorriram e se encontraram.

terça-feira, 17 de março de 2015

Microconto: Plural

É solitário ser humano porque o ser humano não tem sido muito humano. Talvez nem tenha sido ser. Mas queremos, melhor, devemos ser seres e sermos humanos. Sempre no plural.

Microconto: Dança

Elas dançavam juntas toda semana. Elas dançavam juntas todo dia. Elas dançavam, se enroscavam até o elas virar singular. Até a dança virar elas, virar a cabeça delas e elas virarem só dança. Uma única dança.

Microconto: Três mulheres

Ela era babá. A outra era mãe da filha que ela cuidava. O amor pela menina foi a primeira coisa em comum que tiveram. Depois veio o amor uma pela outra.

Microconto: Primeiro amor

Ela se apaixonou pela primeira vez, embora não tenha sido a primeira.

Microconto: Prisão

Ela sempre amou ser professora. Fazia bem a ela. Até que um dia, um menino, ao saber sua profissão, perguntou:
- Você não se sente culpada?
- Pelo que?
- Por prender as crianças num lugar onde elas não querem estar.
E desde então ela se sentiu.

sábado, 14 de março de 2015

farofa

uma das memórias mais bonitas que eu tenho da minha infância é de quando eu acordava aos domingos de manhã e ia para a sala lá de casa, ainda de pijama, e dançava com o meu pai enquanto minha mãe fazia o almoço. lembro que dançávamos músicas das mais variadas como Madonna, Beatles e vários outros. mas o que mais me marcou mesmo foi a uma música do Gilberto Gil, Madalena, a qual eu chamava sempre de "música da farofa" porque em algum momento da letra ele fala de "farinha". quando eu era criança eu dizia que essa era a música mais animada do mundo! e sempre falava "pai, coloca a música da farofa"e ele sempre sabia qual era e nós dançávamos muito: eu pulava, fechava os olhinhos e não pensava em mais nada além daquele momento. é uma lembrança extremamente feliz. no entanto, anos depois, quando a inocência infantil já tinha diminuído levemente e eu já era jovem, me deparei com essa música novamente. não lembro o momento, o que estava fazendo, nem exatamente quando foi ou se mais alguém estava junto. eu só lembro que pela primeira vez eu percebi aquela letra que diz assim:

Fui passear na roça
Encontrei Madalena
Sentada numa pedra

Comendo farinha seca
Olhando a produção agrícola
E a pecuária
Madalena chorava
Sua mãe consolava
Dizendo assim
Pobre não tem valor
Pobre é sofredor
E quem ajuda é Senhor do Bonfim
Entra em beco sai em beco
Há um recurso, Madalena
Entra em beco sai em beco
Há uma santa com seu nome
Entra em beco sai em beco
Vai na próxima capela
E acende um vela
Pra não passar fome


e quando eu ouvi, eu não conseguia parar de chorar porque a música que eu falava que era a mais animada do mundo, era, na verdade, uma música muito triste, sobre uma menina que passava fome e comia farinha seca. e eu chorava e chorava. não só dessa vez, mas também várias outras seguintes que ouvi essa música triste. eu não sei exatamente se eu chorava por isso, pela menina da música ou pela tristeza dela. acho que talvez eu chorasse por todas as outras vezes que ouvi a música e não percebi a sua tristeza. mas a verdade é que por mais que eu chorasse tanto e ainda hoje me emocione ao ouvir a música, ela nunca me deixou triste, muito pelo contrário. a verdade é que eu reescrevi essa música quando era pequena, eu a recriei. e para mim ela não é uma música que conta a história de uma menina que passa fome e acende velas esperando comida. para mim essa música conta a história de uma menina que dançava com o seu pai aos domingos de manhã e era feliz.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

oxalá, o carnaval aconteça

por quatro dias eu tive como casa um ciep, como cama um colchão de ar, como chuveiro um vestiário, como banheiro algumas privadas protegidas por cortina, como cozinha um refeitório.
por quatro dias eu tive como colegas de quarto vários irmãos, como colegas de trabalho vários irmãos, como amigos de caminhada vários irmãos.
por quatro dias eu tive como rotina acordar bem cedinho e dormir tarde, estudar durante a tarde e limpar banheiro durante a manhã.
por quatro dias eu fui feliz como há muito tempo não era. por quatro dias eu descobri a verdadeira felicidade e a desgraça real. por quatro dias eu vi sorrisos, senti sorrisos, distribui sorrisos e fui feliz.
por quatro dias descobri como multiplicar a felicidade para ser feliz por mais 361 dias.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

há sete anos atrás, quando eu ainda não sabia nada de educação (ou achava não saber) e ainda nem tinha entrado no mundo das letras, eu comecei a trabalhar no apoio escolar do CEMA, numa turma muito especial. lembro de ter me apaixonado completamente por eles e não lembro de nenhum outro lugar em que eu amasse tanto trabalhar como lá. até hoje tenho uma pasta com todas as cartinhas que fizeram para mim. até hoje tenho fotos deles espalhadas pelo meu quarto. lembro que quando comecei a faculdade e descobri que teria aula no horário que trabalhava lá, eu chorei muito porque não queria deixar minhas crianças. mas foi justamente por causa delas que eu tive certeza de que precisava ser educadora. foi exatamente por causa delas que eu quis tanto estudar educação. foram elas que me despertaram. eu ia para a faculdade e levava comigo na carteira fotos das crianças, carregava comigo um chaveiro que elas me deram, isso tudo para que eu não esquecesse nunca que estava lá estudando por elas! para que eu pudesse ser melhor para elas, as crianças. já me formei, sei muito de educação. elas já não estão mais lá, as minhas crianças. já cresceram. mas até hoje tenho as fotos, até hoje lembro dos nomes, lembro da Dani, da Nathália, da Sarah, da Verônica, do Flávio, da Lavínia, da Bia e de muitos outros. Ainda olho para os bilhetes os quais elas me chamavam de tia Carol e diziam o quanto me amavam. talvez elas não lembrem mais da professora que passou apenas seis meses por lá, mas eu continuo lembrando de cada uma delas e continuo sem esquecer de tudo que fiz e ainda hoje faço por elas, pelas minhas crianças. e hoje não faço isso só pelas crianças que não estão mais lá, que cresceram e deixaram de ser crianças. hoje eu faço por isso por todas as crianças que ainda vão passar pelo meu caminho, assim como todas que já passaram. porque a cada sorriso e a cada abraço e beijinho que eu recebo eu sei que estou exatamente no caminho que eu deveria estar, tenho certeza. essa mesma certeza que eu tive há sete anos atrás com as minhas crianças. e eu ainda lembro delas e sei que não vou esquecer jamais.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

memória

hoje eu valorizo as lembranças de uma forma que só quem perde entende.
o chato das lembranças é que elas são quase como sonhos, nem parecem perto do real. algumas até mesmo se confundem com o sonho, estão tão distantes que nem conseguimos saber se foram realidade ou não. o real mesmo é o presente, onde temos certeza de que estamos mesmo vivendo tudo, ou nada. e o passado vai ficando cada vez mais para trás por mais que tentemos trazer algumas coisas de volta. e eu tento muito! tento várias vezes e mesmo assim as memórias dele vão ficando cada vez mais distantes enquanto a realidade presente dele vai ficando cada vez mais forte. só que eu não posso, não quero, lembrar dele desse jeito que não é ele. por isso tenho medo de ficar perto, de olhar muito e contaminar a minha memória. preciso lembrar dele como ele é e não como ele está. então eu continuo vivendo de lembranças quando tenho tempo de chorar.