domingo, 5 de julho de 2015

Subtrair

O que ela mais desgostava na matemática é o fato dos números serem infinitos. Ela contava e contava e eles nunca acabavam. Algum dia, em algum momento que ela não se lembra qual, ouviu que 24000 pessoas morrem de fome por dia, 8736000 por ano, 1000 pessoas por hora, a cada minuto que passava aproximadamente 16 pessoas morriam. A cada minuto ela somava, 16... 32... 48 pessoas que morreram de fome. E como os números eram infinitos, não importa quanto tempo passasse os números sempre iriam aumentar. Não chegaria o momento em que as pessoas parassem de morrer por falta de número para contar. Sempre havia o próximo número e sempre havia a próxima morte.
Ela passou a ficar obcecada, contava em todas os lugares. Aqui enquanto assisto aula 1500 pessoas já morreram. Enquanto eu faço almoço 544 pessoas já morreram. Enquanto eu trabalho 8000 pessoas morrem de fome. Enquanto eu durmo 7500 pessoas morrem de fome. Na minha semana 168000 morrem de fome.
Então começou a somar o número, a cada minuto aumenta-se 16. Em um mês ela já tinha somado 74432...74448...
Ela não conseguia mais trabalhar direito porque só somava sem parar... Se não fazia a cada minuto, fazia a cada hora. Quando chegava ao fim de cada dia, era difícil de dormir porque as imagens das pessoas morrendo e os números aumentando não a deixavam repousar. Como eu posso dormir enquanto pessoas morrem de fome?
Um dia esse número ficou tão insuportavelmente grande que ela não conseguiu mais viver. Não conseguiu mais deixar que essas pessoas morressem e então ela simplesmente largou tudo: o emprego, a casa e o número enorme que não pararia de crescer.
Ela largou tudo e foi às ruas, foi à vida e então ela descobriu que poderia tirar pessoas da fome. Foi andando e alimentando quem precisava, da forma que dava. Alimentava aquelas pessoas que não tinham nem como se levantar para encontrar comida de tanta fome. Ia aonde a fome lhe chamava e então começou a contar ao inverso. Hoje eu salvei 34 pessoas da fome. Agora já salvei 329 pessoas da fome. E cada vez o número aumentava e aumentava também o seu sorriso e a sua felicidade. Voltou a dormir em paz, pensando que assim que acordasse salvaria mais vidas da fome. Voltou a trabalhar, mas apenas para alimentar quem precisava. Isso virou seu trabalho, virou sua vida.

O que ela mais gostava na matemática é o fato dos números serem infinitos. Não importa quantas pessoas ela alimentasse, sempre haveria um numero após o outro e uma pessoa atrás da outra e ela não precisaria nunca parar de contar as vidas que salvava da fome.

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