sexta-feira, 22 de novembro de 2013

regresso

assim como o meu pai, eu também tenho querido ir para casa sem saber exatamente onde ela é.
porque nesses vinte e três anos o que eu tenho como casa, em grande parte, é também o meu pai. esse homem que deu o meu primeiro banho e que dançava comigo aos domingos pela manhã a música madalena e que concordava quando eu dizia que era a música da farofa e a mais animada do mundo, mesmo sendo muito triste. que chamava uma mão de sapeca e outra de mãozinha só para brincar de me fazer cócegas. que dormia no quarto comigo porque eu tinha medo do escuro e que chorou muito quando eu disse que era gay, mas acabou me aceitando sem restrições depois de um tempo. meu pai que sempre me ajudou a resolver um monte de coisa e que brigava comigo e dizia "entendeu" ao fim das frases mesmo não estando certo. que adorava repetir a palavra "babaca"e sempre me irritava com isso e com o fato de cantarolar em elevadores, mesmo quando eles estavam cheios. meu pai que sempre foi o meu porto seguro e que eu sabia que sempre poderia me ajudar no que quer que fosse. meu pai que me amou antes mesmo de eu existir. meu pai quem eu amei mesmo antes deu existir.
e quando eu chego em casa ele está querendo ir para casa porque não reconhece mais que nossa casa é a nossa casa. e então essa palavra deixou de ter um sentido espacial para não ter mais nenhum sentido palpável. casa não é mais um casa e sim um conjunto de sensações felizes que talvez nem pertençam a esse mundo. e ele se perdeu de sua casa, se perdeu dele mesmo e tenho medo que se perca de mim também porque sei que isso vai acontecer, mesmo que seja momentâneo, porque a consolo de tudo isso é saber que tudo isso é momentâneo e que a gente vai achar outras coisas, que a vida segue e o espírito também. que assim seja.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

eu tenho perdido muitas coisas ultimamente... algumas nem tão ultimamente assim... algumas eu já perdi há mais de um ano atrás e por mais que eu ache que a falta possa ir embora ela ainda não foi.  E a falta está muito grande agora porque eu não queria estar tão sozinha.
ultimamente eu perdi o meu pai. na verdade, não o perdi ainda literalmente. eu o perco um pouco a cada dia que passa. e ele se perde também e sei que isso deve doer muito mais nele do que em mim. tenho medo a todo momento que ele acorda porque eu sei que ele é um pouquinho menos do meu pai do que quando ele estava acordado antes. hoje ele disse que quer ir para casa, para o nosso lar, mesmo que estivessemos em nossa casa, então acho que é porque ele não tem mais se visto aqui e está querendo se buscar. e eu sei que um dia ele vai se encontrar e vai ver que ele não é apenas esse emaranhado de lembranças e sentimentos confusos. ele vai ver que é um espírito imortal destinado a ser feliz e isso é muito lindo e muito bom... mas ele não vai mais ser o meu pai... talvez seja outro pai, mas não o meu pai de agora. isso eu já perdi e não tem mais volta e isso dói para caramba. dói tanto que às vezes eu estaciono o carro e não quero subir para a nossa casa, porque eu também estou um pouco perdida dela. porque eu sei que quando eu chego eu tenho que tomar muito cuidado para não chorar o tempo todo.
eu perdi a vontade de muitas coisas também porque tem tanta coisa dando errado... nem consigo tomar um banho sem que a água esfrie.