segunda-feira, 30 de março de 2015

Microconto: Vida após vida

Acidente grave. Nenhum sobrevivente. Quando se deu conta que morrera, percebeu que vivia.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Microconto: Intimidade

Então ela disse:
- "Ela"não! Meu nome é Joana.
É apenas um microconto, não temos caracteres suficientes para intimidade.

Microconto: Mãe e Filha

Ela surpreendeu a filha com outra mulher. O choque foi grande e decidiu que estava na hora de terem uma conversa séria.
- Filha, eu sou gay.

Microconto: Encontro

Uma delas carregava um sorriso vestida de azul. A outra óculos escuros e um livro. Se sorriram e se encontraram.

terça-feira, 17 de março de 2015

Microconto: Plural

É solitário ser humano porque o ser humano não tem sido muito humano. Talvez nem tenha sido ser. Mas queremos, melhor, devemos ser seres e sermos humanos. Sempre no plural.

Microconto: Dança

Elas dançavam juntas toda semana. Elas dançavam juntas todo dia. Elas dançavam, se enroscavam até o elas virar singular. Até a dança virar elas, virar a cabeça delas e elas virarem só dança. Uma única dança.

Microconto: Três mulheres

Ela era babá. A outra era mãe da filha que ela cuidava. O amor pela menina foi a primeira coisa em comum que tiveram. Depois veio o amor uma pela outra.

Microconto: Primeiro amor

Ela se apaixonou pela primeira vez, embora não tenha sido a primeira.

Microconto: Prisão

Ela sempre amou ser professora. Fazia bem a ela. Até que um dia, um menino, ao saber sua profissão, perguntou:
- Você não se sente culpada?
- Pelo que?
- Por prender as crianças num lugar onde elas não querem estar.
E desde então ela se sentiu.

sábado, 14 de março de 2015

farofa

uma das memórias mais bonitas que eu tenho da minha infância é de quando eu acordava aos domingos de manhã e ia para a sala lá de casa, ainda de pijama, e dançava com o meu pai enquanto minha mãe fazia o almoço. lembro que dançávamos músicas das mais variadas como Madonna, Beatles e vários outros. mas o que mais me marcou mesmo foi a uma música do Gilberto Gil, Madalena, a qual eu chamava sempre de "música da farofa" porque em algum momento da letra ele fala de "farinha". quando eu era criança eu dizia que essa era a música mais animada do mundo! e sempre falava "pai, coloca a música da farofa"e ele sempre sabia qual era e nós dançávamos muito: eu pulava, fechava os olhinhos e não pensava em mais nada além daquele momento. é uma lembrança extremamente feliz. no entanto, anos depois, quando a inocência infantil já tinha diminuído levemente e eu já era jovem, me deparei com essa música novamente. não lembro o momento, o que estava fazendo, nem exatamente quando foi ou se mais alguém estava junto. eu só lembro que pela primeira vez eu percebi aquela letra que diz assim:

Fui passear na roça
Encontrei Madalena
Sentada numa pedra

Comendo farinha seca
Olhando a produção agrícola
E a pecuária
Madalena chorava
Sua mãe consolava
Dizendo assim
Pobre não tem valor
Pobre é sofredor
E quem ajuda é Senhor do Bonfim
Entra em beco sai em beco
Há um recurso, Madalena
Entra em beco sai em beco
Há uma santa com seu nome
Entra em beco sai em beco
Vai na próxima capela
E acende um vela
Pra não passar fome


e quando eu ouvi, eu não conseguia parar de chorar porque a música que eu falava que era a mais animada do mundo, era, na verdade, uma música muito triste, sobre uma menina que passava fome e comia farinha seca. e eu chorava e chorava. não só dessa vez, mas também várias outras seguintes que ouvi essa música triste. eu não sei exatamente se eu chorava por isso, pela menina da música ou pela tristeza dela. acho que talvez eu chorasse por todas as outras vezes que ouvi a música e não percebi a sua tristeza. mas a verdade é que por mais que eu chorasse tanto e ainda hoje me emocione ao ouvir a música, ela nunca me deixou triste, muito pelo contrário. a verdade é que eu reescrevi essa música quando era pequena, eu a recriei. e para mim ela não é uma música que conta a história de uma menina que passa fome e acende velas esperando comida. para mim essa música conta a história de uma menina que dançava com o seu pai aos domingos de manhã e era feliz.