quinta-feira, 4 de junho de 2009

Janela Aberta

Quase não conseguia se mover. Seus lábios já estavam secos, os olhos com olheiras significantes, os cabelos emaranhados assim como tudo que havia dentro de seus pensamentos. Movia tanto sua mente que os membros do corpo não conseguiam mais responder aos seus comandos. Era tudo muito difícil... Mas ali, naquele sofá verde e furado, tudo parecia maior e sem solução. De vez em quando tentava fechar os olhos para, em vão, tentar parar um pouco com o turbilhão de pensamentos que se apoderavam de si. Mas era tudo muito difícil...
Conseguiu fazer um pequeno movimento com os dedos do pé, mas parou por aí e não mais conseguiu reação alguma. Pelo menos a mente não estava vazia, pensou, pois ali, naquele momento, era importante ter algo que não estivesse vazio. Qualquer coisa, mínima que fosse, mesmo sendo a mente e a razão, já que o resto era completo pelo silêncio e a falta de. E as faltas de eram tantas que não conseguiu sequer citar alguma, tudo era difícil demais.
Já que mover não conseguia e pensar não conseguia parar, decidiu testar as outras funções do corpo. O toque foi fácil, já que sentia o desconforto do sofá sob si e, mais ainda, do próprio corpo. A visão também não era difícil, de onde estava enxergava o nada que tinha a sua volta. Enxergava o vazio das paredes brancas e manchadas... sentia inveja das paredes, elas tinham manchas... nem isso tinha. Tentou testar a audição mas só ouvia o silêncio que era tão forte que chegava a doer.
Sentiu um vento frio e forte invadir a sala, sentiu o cheiro de mofo do sofá se espalhando junto com o novo ar que entrava pela janela aberta pelo vento.
Janela aberta! Algo se abria daquela vez... Conseguiu fazer com que a mente se dedicasse a esse pensamento apenas: janela, aberta, janela aberta, aberta, aberta, janela aberta. Algo se abriu onde tudo estava fechado. Algo veio fácil onde tudo era difícil.
Conseguiu finalmente ouvir algo. Primeiro o barulho do vento que vinha forte trazendo o frio, mas, acima de tudo, trazendo algo para dentro do vazio, e completando o espaço da sala com o frio e o novo ar. Novos ares trazem novas ações. Pensando nisso tentou de novo o movimento e, dessa vez, ele foi dos dedos até tomar conta do pé inteiro. Concentrou o pensamento novamente: movimento, vento, movimento do vento, vento, janela, janela aberta.
O vento cessou e uma calmaria gritante se restabeleceu naquela sala e naquele sofá verde, mas o turbilhão de pensamentos voltou com força, sem vento, sem janela e sem movimento. Sim... voltou a ser tudo muito difícil.
Depois de alguns segundos de um turbilhão intenso uma brisa vem acalmar o ambiente, mas não pensou na brisa, nem no ambiente. Pensou no som. A brisa trazia consigo o som. Mas não era o som igual ao vento, nem igual ao silêncio. Era som. Som, som, som, movimento, janela aberta... conseguiu se concentrar. De repente o som tornou-se música. Sentia a música e a melodia, ouvia a letra sem prestar atenção nos significados. A música entrava pelos seus ouvidos sem deixar nada que não fosse a calmaria que desejava a sua mente. Segundos depois não mais precisou fazer força para se concentrar, apenas deixou a música tomar conta do ambiente e do turbilhão que cessou. A melodia começou a invadir tudo. O vazio era preenchido novamente, não mais de silêncio, ausência, falta de ou vento. Mas sim de algo que não poderia ir embora: esperança. O cheiro de mofo foi esquecido, as manchas também e o difícil deixado de lado.Sem se dar conta mexeu o pé novamente, sem pensar, apenas mexeu. O movimento foi se espalhando até atingir suas pernas, barriga, braços e cabeça. Moveu lentamente a cabeça em direção ao teto, e como se ele fosse o céu, levantou e estendeu os braços tentando acalca-lo. A música continuou a invadir todo o espaço e todo o corpo. E o vazio que se tornou vento, que se tornou silêncio, agora se tornava esperança. E mesmo depois que a música acabou e nenhuma outra tornou a tocar, ela deixou o que deveria ter deixado, e foi embora. Mas o turbilhão não retornou, nem o vento, nem a brisa, muito menos a falta de. Nada mais tinha ausência, mas presença de. De que? Tudo... o tudo que era tudo que precisava. O tudo que não era mais muito difícil. O tudo que se abriu logo depois da janela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário